Saúde Mental nas HQs - Parte 1


 

Depois de muito muito tempo finalmente estamos de volta! Dessa vez estamos aqui para trazer a tona um debate extremamente importante, mas que infelizmente é muito pouco explorado, pelo menos nas histórias mais populares, apesar de ser possível observar várias situações e insinuações presentes o tempo todo. Claro que estamos aqui hoje para falarmos do mal desse século, os problemas relacionados a saúde mental.

Falar de saúde mental é tratar de um assunto complexo que envolve várias camadas que muitas vezes fogem do óbvio e quando trazemos isso para um contexto mais específico como o meio dos quadrinhos torna-se ainda mais complicado trazer esse debate, uma vez que a maioria das histórias ainda se esquivam de abordar esses temas de maneira aberta, muitas vezes o fazendo de maneira camuflada, emulando comportamentos e complicações, mas sem nunca tratar de fato do problema.

Não existe necessariamente uma definição específica para saúde mental, podemos pensar que é uma questão que normalmente vai estar relacionada à forma como uma pessoa reage às experiências da vida, harmonizando seus diferentes aspectos que o caracterizam dentro da sua individualidade, no caso: desejos, capacidades, ambições, ideias e emoções.

As HQs são um espaço amplo para trabalhar diferentes temas, sua linguagem textual e visual permite uma abrangência de perspectivas que possibilitam o maior detalhamento das situações e a imersão do leitor, é comum que diferentes temas sejam abordados nas histórias, mas nem sempre esse potencial é completamente explorado. Dentro das obras de grandes editoras como Marvel e Dc Comics ainda é difícil encontrar histórias que abordem a questão psicológica dos personagens de maneira honesta, sem se prender a esterótipos ou retratar situações equivocadas. Da mesma forma, também é muito difícil encontrar histórias que assumam abertamente os problemas psicológicos dos personagens e trabalhem em cima desse ponto, sendo uma prática mais comum a histórias independentes, muitas vezes ligadas a selos mais adultos, o que pode acabar por diminuir o alcance que essas histórias poderiam ter.

Portanto, o objetivo dessa série de textos é destacar uma sequência de situações e histórias e analisarmos como diferentes doenças psiquiátricas foram e são abordadas. E para começar essa sequência vamos falar de um dos momentos mais icônicos, negativamente, dos quadrinhos, a agressão de Hank Pym, o homem-formiga, a sua mulher Janet.



Acho que antes de tudo precisamos contextualizar todas as situações envolvendo esse momento nas HQs, o primeiro e mais importante, o personagem Hank Pym foi elaborado como sendo um portador do transtorno afetivo bipolar, porém precisamos analisar algumas questões envolvendo essa informação. A primeira delas é que essa fatídica cena aconteceu na HQ Vingadores #213, de 1981, em que observamos o personagem passando por sucessivas oscilações de humor, o que o leva a um comportamento extremo, em que ele se tranca no próprio laboratório trabalhando de forma obsessiva. Quando sua esposa, a também heroína Janet Van Dyne, a Vespa, tenta retirá-lo do seu isolamento causa um acesso de fúria em Hank que termina com sua agressão a esposa.

Bom, acho que a primeira coisa que precisa ser dita é que mesmo esse sendo um evento polêmico e antigo, faz mais de quarenta anos que essa edição foi lançada, a Marvel nunca se dignou a trabalhar esse ponto em suas histórias, a própria sequência da história indica por meio dos sinais presentes nos balões que o personagem sofria algum tipo de transtorno e por isso essa explosão tinha acontecido, mas esse evento foi esquecido, não tendo maiores consequências ou reflexões dentro das histórias seguintes.

Aqui observamos então o primeiro problema, pois a existência de um transtorno que influenciava no comportamento de Hank continuou existindo nas histórias, mas nunca explicado, não era um necessidade tratar e debater esse tema, apenas colocar histórias com momentos chocantes, mas não se importar com as mensagens que estavam sendo transmitidas, esse descaso se manteve inclusive com os escritores misturando transtornos nas histórias seguintes, em que foram feitas possíveis insinuações sobre a possibilidade de Hank ter transtorno de múltiplas personalidades, mas sem nunca realmente ter os sintomas relacionadas a essa doença em especifíco.

Somente trinta anos depois a Marvel oficializou a questão da bipolaridade de Hank Pym na HQ Vingadores  IA #5 em 2013, mas mesmo nessa história esse ponto não obteve continuidade já que a série foi cancelada antes da finalização. Mas com essa confirmação todo o comportamento do personagem ao longo dos anos de existência encontraram uma explicação, ou desculpa.


Mas será que todo o comportamento de Hank ao longo dos anos, que tiveram como ápice a agressão a esposa, mas que também envolvem comportamento obsessivo, explosões de fúria, impulsividade, momentos de ansiedade e depressão se encaixam no rótulo de uma pessoa bipolar? 

O transtorno afetivo bipolar é um distúrbio psiquiátrico complexo. Sua característica mais marcante é a alternância, às vezes súbita, de episódios de depressão com os de euforia (mania e hipomania) e de períodos assintomáticos entre eles. As crises podem variar de intensidade (leve, moderada e grave), frequência e duração.

As flutuações de humor têm reflexos negativos sobre o comportamento e atitudes dos pacientes, e a reação que provocam é sempre desproporcional aos fatos que serviram de gatilho ou, até mesmo, independem deles.

Os sintomas de depressão incluem humor deprimido, tristeza profunda, apatia, desinteresse pelas atividades que antes davam prazer, isolamento social, alterações do sono e do apetite, redução significativa da libido, dificuldade de concentração, cansaço, sentimentos recorrentes de inutilidade, culpa excessiva, frustração e falta de sentido para a vida, esquecimentos, ideias suicidas. Enquanto que o estado de mania pode ser entendido como um estado de euforia exuberante, com valorização da autoestima e da autoconfiança, pouca necessidade de sono, agitação psicomotora, descontrole ao coordenar as ideias, desvio da atenção, compulsão para falar, aumento da libido, irritabilidade e impaciência crescentes, comportamento agressivo, mania de grandeza. 

Se analisarmos bem a longa listas de sintomas é possível encaixar vários momentos do comportamento do nosso herói dentro desse contexto, infelizmente o rótulo como personagem bipolar serviu apenas para categorizar o personagem, sem nunca trazer nenhuma informação realmente relevante, sendo apenas uma desculpa a ser utilizada quando os escritores queriam justificar algum comportamento extremo.

Essa falta de profundidade ao retratar doenças psicológicas acaba sendo um problema, pois colabora para estigmatizar e estereotipar doenças que precisam de atenção, que precisam ser discutidas e não tratadas como tabu dentro de uma sociedade que a cada dia fica mais doente. 

Esse é o primeiro texto de uma série que vamos estar trazendo aqui para debater essas questões, afinal nem tudo são críticas e existem muitas outras situações nas histórias que merecem ser observadas e analisadas. Espero que tenham gostado do nosso texto de retorno, em breve traremos muitos novos conteúdos para o blog, deixem nos comentários a opinião de vocês a respeito do tema e até a próxima pessoal.

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