Minha vida está rabiscada e as páginas serão terminadas ao amanhecer se há algo que eu aprendi é que não se pode voltar atrás... e nem sempre se pode ser feliz, que sem amor somos estranhos no paraíso!
Boa tarde pessoal!! Estamos de volta com as resenhas aqui no blog e para coroar esse momento escolhemos uma história diferente, sensível, que começou como uma publicação independente em 1993 e foi crescendo por meio de várias editoras até um encerramento em 2006. Escrita, desenhada e produzida por Terry Moore, que lançou a maior parte das edições por meio de sua editora "Abstract Studios".
Durante todo esse período de publicação, as histórias foram muito bem recebidas pela crítica e pelo público, tendo recebido várias indicações ao Eisner Award (maior prêmio dentro do meio dos quadrinhos). O primeiro volume da série foi uma minissérie em três edições, publicada pela Antartic Press. Para dar continuidade à série, Moore publicou de forma independente o segundo volume da série, que teve 14 edições adicionais. O terceiro volume foi publicado inicialmente pela Image Comics de forma colorida pelas seis primeiras edições, algo inédito para a série. Posteriormente, o próprio Moore voltaria a assumir a publicação da série, com edições em preto e branco. Essa terceira fase da série teve 90 edições no total.
Nesta primeira resenha nos focaremos no primeiro volume lançado em 1993 que apresenta as personagens Katchoo e Francine duas amigas muito próximas, mas bastantes diferentes entre si. Mais atrapalhada e de personalidade mais doce e até mesmo ingênua, Francine sonha em encontrar o homem ideal que a faça se sentir amada e segura, uma pessoa em quem ela possa confiar de verdade, indo completamente na contra mão em relação a amiga Katchoo é uma mulher mais determinada, confiante, desbocada e de personalidade agressiva, sempre afastando tudo e todos, mas ainda assim doce e gentil com as pessoas que lhe são importantes.
Assim, esses três primeiros volumes nos apresentam nossas duas personagens principais de forma inteligente, já nos primeiros quadros percebemos as discrepâncias entre as duas, mas também vemos a amizade a confiança e a proximidade delas. E é justamente essa diferença na personalidade de ambas que vai guiando a narrativa, sendo uma força motriz para os eventos.
Com esse aviso colocado já no início, sobre o que esperar da história, podemos começar a analisar outros aspectos da obra, vamos começar falando da arte em que Moore nos apresenta traços delicados, que conseguem passar uma sensação de realidade, vemos ali mulheres reais, homens reais. Podemos ver como Moore consegue fugir de certos estereótipos na concepção de seus personagens, um exemplo prático é a imagem de Katchoo que mesmo sendo uma mulher bruta e agressiva, impaciente e com tendências a resolver seus problemas com atos de violência se parece e se veste como uma mulher normal, comum como qualquer outra que vemos no mundo, o que cria camadas a mais na personagem.
O mesmo pode ser dito sobre Francine, uma mulher com muitas inseguranças em relação ao seu corpo e sobre relacionamentos, tendo uma dificuldade imensa em confiar nos seus parceiros por medo de terminar abandonada, algo que a história nos leva a crer que já tinha acontecido antes. Francine dentro de tudo isso é sempre retratada cobrindo seu corpo, com sua insegurança latente e o mesmo acontece com relação a sua personalidade, medo de expor a si mesma em todos os aspectos, porém também vemos seu outro lado, mais corajoso, firme e forte, quando ela supera seus medos, quando ela se impõe como uma mulher forte.
Para quem me acompanhou até aqui, provavelmente deve estar se perguntando: afinal do que se trata essa história? Ela se trata da vida, temos personagens que dentro da liberdade narrativa que o meio permite, vemos sim alguns exageros que servem para chacoalhar o status de tudo, mas que no fundo estão ali para complementar o principal, que seria uma representação da vida real com personagens falhos e reais.
Até o momento não chegamos a falar dos personagens masculinos, nessa minissérie introdutória temos dois que se destacam e que assim como as meninas principais são os opostos um do outro. Primeiro temos Freddie, um homem bem sucedido, aparentemente, que conhecemos como sendo o atual namorado de Francine, de início, nos primeiros quadros, apenas vemos uma conversa embaixo dos cobertores e podemos até acreditar que ambos estão curtindo um momento juntos, mas essa imagem se desfaz logo quando as luzes são acesas.
A pessoa compreensiva que ele aparentava ser com as luzes escuras, se desfaz, e ali nos deparamos com um diálogo a respeito das relações sexuais do casal, que até então não tinham acontecido e Freddie não queria mais esperar, terminando assim com Francine. Se com as mulheres Moore evita ser prender aos padrões, ele faz o mesmo com os homens, ele vai além da imagem de namorado ruim, camadas e padrões são adicionadas, mesmo que apenas para que a imagem dele se torne cada vez mais negativa.
E por fim, o último personagem importante para a continuidade da história nos é apresentado, no meio do primeiro volume, se Freddie é representado como um canalha, em várias camadas, com seu comportamento nocivo e abusivo do outro lado temos David, um rapaz compreensivo, gentil e razoável, que se apaixona com Katchoo estando ao lado dela durante todo o momento, conseguindo até mesmo desarmar a valentona, vendo mais do seu lado gentil e amigável. Assim, com três volumes Moore nos apresenta seus personagens, seu estilo único de narração, o uso de textos em prosas ou de poemas para fazer a narrativa andar, e prepara o terreno para todo o desenvolvimento que vai ganhar espaço nos volumes seguintes.
Portanto, Estranhos no Paraíso é uma obra excelente que explora ao máximo as possibilidades de narração e construção de personagens, com uma história de premissa simples, mas desenvolvimento complexo, vemos personagens encantadores que deixa a curiosidade por saber o que vai acontecer com cada um deles, por isso essa história fica mais do que recomendada.
Uma ótima série numa época que as grandes editoras estavam cada vez pior...
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