Batman o Cavaleiro das Trevas - Parte I

 

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Voltamos para mais uma resenha das histórias que compõem o universo do homem-morcego, dessa vez nossa análise é sobre uma das maiores obras primas já criadas com esse personagem e digo isso com toda certeza, pois muito do que faz parte da essência do personagem foi desenvolvido e trabalhado aqui, mas acho que estou me adiantando um pouco.

Portanto, permitam-me voltar um pouco, vamos começar analisando a obra de forma mais superficial para então avançar até o seu cerne. A história como um todo foi desenvolvida em 1986, dividida em quatro partes, com o roteiro e a arte da HQ sob as mãos de Frank Miller. Na primeira parte da HQ somos conduzidos a uma viagem pela mente de Bruce Wayne, Miller nos apresenta um homem velho, cansado, que leva seus dias arrastados e com pensamentos mórbidos, sobre como seria a melhor forma de morrer.


Entre as várias sequências podemos perceber essa necessidade pulsante que toma conta do homem, como a aposentadoria de dez anos o atormenta e a culpa pelos erros do passado o predem numa intricada relação de medo e culpa, medo do que pode fazer e culpa pelo que acontece com aqueles ao seu redor. Em paralelo as narrações textuais escritas por Miller, que nos permitem entender o mundo por meio de uma narrativa intrigante, que passeia pelos pensamentos dos personagens, temos uma arte com traços fortes e marcantes, que pode causar estranhamento inicial, mais que permite a apresentação de uma Gotham ainda mais sombria do que a que estamos acostumados.

Nesse sentido, Miller consegue nos fazer entender o medo da população com maestria, sempre utilizando como recurso narrativo telejornais, que ajudam a ditar o tom da história, vemos como a população vive assustada com a crescente onda de ataques praticadas por uma gangue chamada os mutantes. Em sintonia com essa sensação temos os pensamentos de Jim Gordom que prestes a se aposentar vê a insegurança tomar conta da cidade, com a população se tornando cada vez mais violenta.

E a cada página, cada quadro, essa Gotham que parece ainda mais afundada do que qualquer outra vai se revelando o desespero das pessoas em paralelo com o desespero do próprio Bruce, preso e incapaz, afundando nas memórias e revirando o passado em sua cabeça até que da forma mais corriqueira seus tramas são trazidos a tona, em um momento catártico vemos o morcego e homem se confrontando para nos dar então o retorno do Batman, em sequências deslumbrantes que prendem qualquer leitor. Somos presenteados por um Batman experiente, que luta de forma agressiva, enxerga tudo e todos como parte de uma cruzada pessoal e assim ele avança atacando tudo e a todos.


E justamente quando o Batman aparece vemos um dos maiores trunfos de Miller, o impacto que ele apresenta na sociedade, o que ele representa para as pessoas sejam elas os típicos cidadãos de bem de Gotham ou loucos do Arkham, Novamente usando a estrutura de telejornais e programas de auditório, ele apresenta argumentos criticando as ações de seu personagem, usando como pano de fundo o efeito secundário que a presença dele causa, levantando a seguinte pergunta: seria o Batman responsável por criar os próprios vilões?

Respondendo a própria pergunta, temos a aparição aqui de um torturado Harvey Dent que não conseguiu se recuperar da psicose que o consumia e em segundo plano temos outro grande personagem que começa a aparecer em pequenas doses, sempre inseridas no momento certo. O Coringa então é colocado na história, acordando depois de dez anos catatônico seu despertar é um preludio das consequências que esperam as ações do Batman.


Na segunda parte da história somos apresentadas a uma jovem, que como muitos em Gotham se sente inspirada pelas ações do Batman e então começa a se vestir numa fantasia que imita a imagem do garoto prodígio e assim sozinha ela parte atacando membros da gangue mutante, ouvindo boatos e seguindo os passos do próprio Batman, que resolve confrontar os mutantes no próprio território.

Ali somos apresentados pela primeira vez ao ser que controla essa gangue, e a partir de suas palavras entendemos como toda a violência estava se espalhando pela cidade, como jovens eram capazes de tamanhas atrocidades. Espertamente Miller dá uma forma mais animalesca que humana para o líder, o qual o próprio Batman também chama de animal. Esse encontro entre os mutantes, seu líder, o Batman e a postulante a novo Robin rende um dos momentos mais enérgicos da história, onde entendemos que não importa o passado, o presente limita sim as ações do morcego, afinal a idade chega para todos.

A resolução dos conflitos com gangue mutante nos presenteia também com ótimos momentos feitos pelo comissário de polícia, onde começamos a entender todos os favores que ele já fez para o homem-morcego e como essa parceria foi benéfica dentro de certas medidas, sem nos alongar muito é possível dizer que qualquer um irá vibrar com o embate final, nos mostrando toda a técnica e habilidade do vigilante além é claro da sua astúcia, criando um retorno triunfal para o morcego.

E assim partimos para a terceira parte da HQ, para um desfecho digno de uma das relações mais marcantes já criadas nas histórias, tendo seu retorno construído desde a primeira parte, em que pequenas atitudes diálogos e ações vão dando o tom da sua aparição, o Coringa aqui rouba a cena por completo em uma de suas mais perigosas e esplendorosas aparições. 


Se ainda não tinha conseguido com as passagens anteriores, aqui Miller nos surpreende novamente, desde o início somos alertados para o perigo do palhaço, para as mortes que o Batman conta sempre que ele mata alguém e a tensão cresce à medida em que tudo parece estar desmoronando, é possível ver a frustração que paira no rosto do morcego a cada falha, o peso da sua idade atrapalhando mais do que tudo, de forma que quando o esperado encontro acontece, temos a concretização de um sonho. O ápice de toda história ocorre exatamente quando o morcego encara seu nêmeses, ali vemos todo o peso dos confrontos e como eles afetaram a ambos e vislumbramos a única solução possível, que também seria abordada por Alan Moore em seu clássico A Piada Mortal.

E depois de todas essas reviravoltas e emoções a que somos conduzidos, Miller nos presenteia com um final que se encaixa com tudo o que foi apresentado antes, como eu disse antes ao longo de todas as quatro edições é mostrado o efeito que o Batman tem na sociedade, como seu retorno da aposentadoria era algo prejudicial e esse contexto nos abre caminho para a participação de dois personagens muito especiais, um que permanecerá oculto e outro que tem sua aparição já anunciada desde o começo e que vem justamente para marcar final, claro aqui me refiro a participação de ninguém menos que do Superman.


Essencialmente diferente daquilo que estamos acostumados essa versão do personagem nos é apresentada como um antigo herói que teve que ver seus companheiros se afastarem, que continuou agindo por cauda de uma autorização especial que o torna um homem a serviço da casa branca, atuando quase como um super soldado que trabalha resolvendo os problemas do governo de maneira secreta. E assim, por meio de pequenas aparições e alguns diálogos começamos a perceber o possível conflito que se desenha, com a função de convencer o amigo a se aposentar novamente, vemos a diferença fundamental entre ambos se formando. E quando o Superman ganha seus poucos quadros isolados em uma narrativa própria que sempre se mantém paralela a do morcego, vemos ali um personagem que se ressente, que entende sua posição e a aceita, pois vê nela a forma de manter seus ideais, porém ao mesmo tempo conseguimos notar a amargura em seus pensamentos quando lembra do passado e especialmente seu amor pela Terra.

Quando as duas narrativas paralelas se convergem então o desfecho final desse épico escrito por Miller nos apresenta um confronto não apenas de ideias, mas também de atitudes, percebemos como as escolhas de ambos delimitaram aquele caminho desde sempre estavam fadadas a terminar dessa forma. Todas as pontas abertas no início da história são fechadas de maneira excelente por Miller, que não só consegue criar aqui um final para a história do homem morcego o eternizando como uma lenda, como abre caminho para sequências.

O Cavaleiro das Trevas é uma obra prima idealizada por Frank Miller que nos mostra o fim derradeiro do personagem ao mesmo tempo que captura sua essência, sem esquecer o efeito que os anos como vigilante causaram a ele e as pessoas ao seu redor. Aqui fica então minha recomendação para que todos confiram essa obra de arte atemporal que foi concebida por Miller. 


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